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Fátima vista por Pessoa

O poeta português Fernando Pessoa encarava Fátima como o lugar mítico da construção do nacionalismo católico e monárquico que ele repudiava, sustentou hoje o historiador José Barreto, antes de revelar um texto inédito do escritor sobre aquele lugar de culto.

«É um texto irónico, a roçar a sátira anticlerical, em que Pessoa parece regressar ao seu radicalismo de juventude. A intenção não é propriamente anti-religiosa mas anti-católica – uma ‘nuance’ que se deve sublinhar”, disse José Barreto numa conferência sobre “Pessoa e Fátima. A prosa política e religiosa», proferida hoje na Casa Fernando Pessoa.

Começa assim: «Fatima é o nome de uma taberna de Lisboa onde às vezes… eu bebia aguardente. Um momento… Não é nada d’isso… Fui levado pela emoção mais que pelo pensamento e é com o pensamento que desejo escrever», diz o poeta.

O texto inédito descoberto pelo historiador e investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa é apenas «o preâmbulo de um artigo maior que teria um carácter de estudo de caso, permitindo caracterizar aquilo a que Pessoa chama ‘esta religiosidade portuguesa, o catolicismo típico deste bom e mau povo’», explicou, citando o poeta.

«Fatima é o nome de um lugar da provincia, não sei onde ao certo, perto de um outro lugar do qual tenho a mesma ignorancia geografica mas que se chama Cova de qualquer santa», observou.

«Nesse lugar – esse ou o outro – ou perto de qualquer d’elles, ou de ambos, viram um dia umas crianças aparecer Nossa Senhora, o que é, como toda gente sabe, um dos privilégios (…) a que se não (…). Assim diz a voz do povo da provincia e a ‘A Voz’ (jornal católico e monárquico) sem povo de Lisboa», prosseguiu.

«Deve portanto ser verdade, visto que é sabido que a voz das aldeias e ‘A Voz’ da cidade de ha muito substituíram aquelas velharias democraticas que se chamam, ou chamavam, a demonstração científica e o pensamento raciocinado», ironizou.

Pessoa denunciava o aproveitamento da crença do povo por parte do poder político e afirmava: «o facto é que ha em Portugal um lugar que pode concorrer e vantajosamente com Lourdes. Ha curas maravilhosas, a preços mais em conta», escreveu.

«O negócio da religião a retalho, no que diz respeito à Loja de Fatima, tem tomado grande incremento, com manifesto gaudio místico da parte dos hoteis, estalagens e outro comércio d’esses jeitos – o que, aliás, está plenamente de accordo com o Evangelho, embora os católicos não usem lê-lo – não vão eles lembrar-se de o seguir!», comentou. 

O artigo sobre Fátima – que teria sete páginas tipográficas, de acordo com o sumário que Pessoa deixou escrito – destinava-se a ser publicado no primeiro número da revista Norma, um dos três projectos editoriais de Pessoa no ano da sua morte, em 1935, um quinzenário sobre Literatura e Sociologia que não chegou a concretizar.

Fonte: Sol, 02 de Julho de 2008.

2 thoughts on “Fátima vista por Pessoa”
  • Helder

    É natural que Fernando Pessoa, como pessoa inteligente e esclarecida que era, tivesse visto em Fátima uma maquinação nacionalista e monárquica.
    Embora ele não fosse propriamente de esquerda nem ateu conseguiu ver o que era e sempre será óbvio, que Fátima é um embuste.

    Quem acredita que o que se passou em Fátima teve algo de místico e sagrado, teria também de acreditar no relato do monge medieval alemão Alano de Rupe. Um texto* daquela época, citado por Nigel Cawthorne, relatava o seguinte: “Um dia a sempre abençoada Virgem Maria, entrando na cela de Alano de Rupe, que estava trancada, arrancou um fio de cabelo dele e fez um anel, com o qual desposou o pai e o fez beijá-la e acariciar seus seios e, em uma palavra, tornou-se em pouco tempo tão familiar a ele como as mulheres costumam ser com seus maridos.”

    * – Nigel Cawthorne – A Vida Sexual dos Papas – Editorial Prestígio – 3ª Edição – 1996 – Pág.209

  • Helder

    É natural que Fernando Pessoa, como pessoa inteligente e esclarecida que era, tivesse visto em Fátima uma maquinação nacionalista e monárquica.
    Embora ele não fosse propriamente de esquerda nem ateu conseguiu ver o que era e sempre será óbvio, que Fátima é um embuste.

    Quem acredita que o que se passou em Fátima teve algo de místico e sagrado, teria também de acreditar no relato do monge medieval alemão Alano de Rupe. Um texto* daquela época, citado por Nigel Cawthorne, relatava o seguinte: “Um dia a sempre abençoada Virgem Maria, entrando na cela de Alano de Rupe, que estava trancada, arrancou um fio de cabelo dele e fez um anel, com o qual desposou o pai e o fez beijá-la e acariciar seus seios e, em uma palavra, tornou-se em pouco tempo tão familiar a ele como as mulheres costumam ser com seus maridos.”

    * – Nigel Cawthorne – A Vida Sexual dos Papas – Editorial Prestígio – 3ª Edição – 1996 – Pág.209

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